O caso Access Lab
Uma estratégia com vista à mudança de política pública 17.06.2025
A alocação de capital é, sem dúvida, essencial para resolver qualquer problema social. Mas, por si só, não chega. Se queremos gerar verdadeiro impacto e contribuir eficazmente para a resolução dos desafios da nossa sociedade, é necessária uma abordagem filantrópica focada no múltiplo.
O que é que isso significa? Vamos ver.
A exclusão social de pessoas com deficiência continua a ser um problema em Portugal e no mundo, e o acesso pleno à cultura e ao entretenimento por parte destas pessoas está longe de ser uma realidade. 50% das pessoas com deficiência nunca participou num evento público ou desportivo. As que participam, relatam inúmeras dificuldades no acesso pleno às ofertas culturais.
A Access Lab é uma startup de impacto social que trabalha ativamente na resolução deste problema e foi por isso que, em 2023, a Fundação Ageas decidiu investir nela pela primeira vez.
Da proposta inicial à abordagem focada no múltiplo
Quando os nossos caminhos se cruzaram, a Access Lab estava empenhada em angariar 60k para remodelar 3 espaços culturais e capacitar o seu staff, tornando as respetivas ofertas culturais acessíveis a pessoas com deficiência.
No know-how e potencial da Access Lab vimos uma oportunidade diferente: E se, em vez de investirmos apenas na melhoria de uns quantos locais específicos, nos focássemos na raiz do problema? E se conseguíssemos mudar a forma como a acessibilidade é tratada a nível nacional? Foi assim que decidimos, em conjunto, partir em busca do múltiplo, e, com um valor financeiro mais reduzido, procurar não apenas um pequeno ganho imediato, mas um resultado desbloqueador e multiplicador, com capacidade de desencadear benefícios adicionais e sustentáveis ao longo do tempo. O foco tinha de ser a alteração de políticas públicas.
Um primeiro ano de trabalho com resultados à vista
No primeiro ano de parceria, a Fundação Ageas investiu 19k na Access Lab, para que esta se pudesse dedicar a desenvolver um trabalho de advocacy, com objetivos claramente definidos entre todos.
Os esforços foram no sentido de envolver tanto decisores políticos como entidades privadas no tema da acessibilidade à cultura, com especial foco nas condições de acessibilidade das salas de espetáculos e na necessidade da gratuitidade do bilhete de acompanhante (na maior parte das vezes, o bilhete de quem dá apoio à pessoa com deficiência é pago por esta, criando-se mais um motivo de exclusão e um desincentivo à participação).
Este primeiro ano de apoio filantrópico ficou marcado por:
As reuniões estratégicas conseguidas com entidades como o Ministério da Cultura, Secretaria de Estado da Inclusão e a DGArtes resultaram em avanços significativos:
A consolidação da parceria – um apoio a 3 anos
Para ser eficaz, a ação filantrópica deve ser um fator de estabilidade para o sector e para os empreendedores sociais, focada no suporte de longo prazo.
Os empreendedores sociais veem-se forçados a despender uma parte significativa do seu tempo em ações de fundraising e em reportes aos seus financiadores, impedindo que foquem os seus recursos naquilo que melhor sabem fazer: resolver problema sociais.
Por essa razão, e porque acreditamos numa filantropia que presta apoio paciente e customizado, decidimos reforçar a nossa relação com a Access Lab, através da contratualização de um apoio a 3 anos (2024/2026), num total de 76.5K.
Com este apoio, pretendemos aprofundar o trabalho conjunto que temos vindo a desenvolver e dotar a Access Lab dos recursos necessários para:
Mais recentemente, esta parceria filantrópica, ficou marcada por:
O testemunho da Jwana Godinho e Tiago Fortuna, Co-fundadores e co-CEOs da Access Lab revela mais acerca desta parceria: “O apoio filantrópico que a Fundação Ageas nos tem concedido desde 2023 vai muito além do valor monetário. É uma parceria humana, de longo prazo, que permite crescimentos mútuos e objetivos de impacto que potenciam o trabalho de ambas as partes. É nestes parceiros que a Access Lab também se quer focar e tem sido um privilégio ter a Fundação Ageas como parceiro primordial. Invariavelmente, temos encontrado uma equipa capaz de nos ajudar sempre que enfrentamos desafios, dando-nos soluções e ideias criativas. Além disso, acreditam num trabalho invisível, de sensibilização de entidades regulatórias e públicas que contamina todo o tecido cultural através de ações que mudam a vida de quem quer participar na cultura e vive com uma deficiência. Por tudo isto, seremos sempre gratos e teremos orgulho naquilo que se tem construído entre a Fundação Ageas e a Access Lab. “
RFM Sem Olhar a Quem
O eixo de Investimento Social da Fundação Ageas é marcado não só pelo apoio financeiro direto às organizações, mas também pelo apoio não financeiro e pelo investimento em iniciativas de sensibilização e advocacy.
Como parte dessa estratégia e do seu investimento no trabalho da Access Lab, a Fundação Ageas promove, em conjunto com o Grupo Ageas Portugal e com a RFM, o evento RFM Sem Olhar a Quem – uma iniciativa de sensibilização para a necessidade de garantir a acessibilidade à cultura a pessoas com deficiência, neurodivergentes e Surdas.
A iniciativa, que este ano contará com a sua terceira edição, consiste numa emissão de rádio de 28 horas, realizada em espaço público e de entrada livre, durante a qual artistas e convidados de diferentes áreas trazem a debate o tema da acessibilidade e da inclusão.
Durante o evento, são disponibilizados recursos de acessibilidade como interpretação em língua gestual, plataformas para mobilidade condicionada, espaços adaptados, coletes sensoriais e abafadores de som.
O RFM Sem Olhar a Quem é uma ação 360º, presente no Campo Pequeno, na rádio, no digital, na imprensa, em televisão e através de publicidade numa rede de mupis nas ruas, permitindo-nos chegar a um público mais alargado, de diversas idades e locais do país.
Só na última edição (2024) alcançámos:
Em 2024, o investimento total nesta iniciativa, que se somou ao investimento feito diretamente na Access Lab, , foi de aproximadamente 100k€, , entre a Fundação Ageas e o Grupo Ageas Portugal, e a mesma foi distinguida no Grande Prémio da Associação Portuguesa de Comunicação de Empresa (APCE) vencendo na categoria de Sustentabilidade & ESG Social.
Desde a 1.ª edição, acreditamos que o impacto da ação levou a que muitos festivais e salas de espetáculo despertassem para o tema traduzindo-se em ações concretas.
"No Grupo Ageas Portugal acreditamos que um futuro culturalmente mais rico passa também pelo reconhecimento e apoio aos talentos mais jovens. O RFM Sem Olhar a Quem é um espaço onde jovens artistas têm a oportunidade de ter visibilidade nacional e mostrar o seu trabalho, numa escala maior, inspirando e deixando-se inspirar por um público diverso e criativamente cada vez mais exigente. É com grande entusiasmo que, uma vez mais, nos juntamos a esta iniciativa, certos de que será uma revalidação do sucesso das edições anteriores", explica Teresa Thöbe, responsável de Marca, Patrocínios e Parcerias do Grupo Ageas Portugal.
Foi também no rescaldo da segunda edição que conseguimos uma reunião com a Secretaria de Estado para a Inclusão, que iniciou um novo mote de conversações sobre o Bilhete de Acompanhante e de contribuições da Access Lab para a nova Estratégia Nacional para a Inclusão de Pessoas com Deficiência.
Esta é a essência da nossa abordagem filantrópica: um compromisso que vai além de gestos isolados e trabalha para uma transformação sistémica. Continuamos neste caminho com a Access Lab com entusiasmo, porque sabemos que a verdadeira mudança exige tempo, dedicação e, acima de tudo, investimento com propósito.
Artigo escrito por Francisca Barreiros, Gestora de Investimento Social na Fundação Ageas